10 agosto 2012

E nada o vento levou…

Havia um televisor antigo na sala. Calado, num silêncio suplicante. Um televisor em sofrimento. Sentia-se que tinha coisas para dizer, mas sem poder, coitado, para sempre silenciado por outros mais modernos, mais bonitos, com imagens mais nítidas, com acesso a alta definição. Via-se que estava sozinho entre vasos de plantas meias murchas, também elas a sofrer, a requerer amor em sítios onde já não existia amor para dar.

Dentro do televisor, onde só existia negro, sem imagem, movimento ou som, vi o teu rosto impenetrável, abandonado à perda, sem compreender os desígnios daquilo que a vida nos vais colocando no prato para comer e calar, porque lá está, “é a vida”, “faz parte”,´”há que ser forte e seguir em frente”…

E quando não se quer seguir em frente? Quando o mundo desaba e nós sem sabermos como nem onde. O teu rosto parado no ecrã desligado, despovoado da ternura evidente e gritante dos que por ordem absolutamente normal e esperada nos deviam dar a mão, ensinar-nos como apertar os cordões ás sapatilhas, dar um aperto de mão “à homem”, descodificar aquilo que o tempo nos vai entregando para decifrar…

E Rhett Butler grita aos meus ouvidos:

“You shloud be kissed, and often. And by someone who knows how…”

e eu devia beijar-te agora. Devia pegar na tua mão e levar-te para longe. Encontrar-nos junto à linha férrea e sentar-me ao teu lado no primeiro comboio que passasse, na carruagem que parasse exactamente à nossa frente, enquanto a tua mão tremia junto à minha e eu a apertava com força e te dizia sem precisar de usar palavras, que estava tudo bem, que te levava para onde o ruído fosse suportável, para onde o teu rosto não estivesse infinitamente parado, sofrido, tétrico e nebuloso pelos toques que te foram roubados sem que tivesses possibilidade de os reter dentro de ti, de lhes dares o beijo que mereciam, o beijo que durasse o resto das horas e dos dias que tentas encher com a palha que julgas preencher o vazio que a ausência desses olhares deixaram para sempre cravadas no teu corpo.

E sussurra a Scarlett junto ao teu ouvido: “I came 'cause I was so miserable at the thought of you in trouble”

e sou eu quem o sussurra para dentro de ti. E tudo o vento levou é uma mentira. Nada, meu querido, nada o vento levou. Fica tudo intocável, impenetrável, inviolável, no sitio onde não sabes, mas podes sempre regressar, porque dentro do peito (onde se escondem as emoções), reside e permanece aquilo que nos move, aquilo que no final de contas e no final do dia realmente importa, o amor.

E o amor não existe no espaço nem no tempo, está parado, como o televisor antigo, com as memórias. Essas são tuas e ninguém as pode roubar. Leva-as, são tuas, até ao fim das coisas que nunca se hão-de extinguir.

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