12 junho 2012

Para onde vão os gritos?

E se acercam, desaparafusadas, as ideias da vida, da morte, da origem, do credo, da raiz.

Para onde vão os gritos? Para onde, dizei-me rogo-vos, vão os gritos que golpeiam a garganta e o estômago, e as vísceras. O invisível, o intocável. Para onde?

O vento? Ah, deixai-o estar, deixai-o permanecer sossegado no seu rodopio, nas horas de prazer que retira das melodias rachadas que fabrica à sua passagem. Não se engane, não o culpe coitado, que o bode expiatório tem de ter carne, e ossos, e pele, e sentimentos, e lágrimas e morte.

Deixai o vento e a brisa, deixai-os a todos no seu curso tranquilo, já vos disse, não é para lá que os gritos vão.

E a água? Sugeris porventura que é em fluido que se vão passear? Que inocência, que pequenez, que doces ideias delirantes criais para vos embevecer-vos com o desespero.

Que teoria romântica praticais, porque não julgais vós que é também nos lírios dos campos, nos girassóis girantes, nos nenúfares de um lago, que o brado se vai recostar?

Porque então não achardes vós, que tanto sabes acerca do grito, que ele se não fica dormente sobre uma nuvem e que depois se deixa entorpecer e morre imperturbado como perecem os dias?

Que dizes, ó erudito, que sátira pretendes conceber por meio de teorias líricas e romanceadas de um rugido que te sai de dentro do mais fundo, mais negro, mais tenebroso e mais pavoroso que carregais no peito?

Ah, pensador presunçoso, por que livros, que mestres, que doutrinas te formastes?

Não sabes ainda, e talvez não venhas nunca a descobrir que o brado está dentro, vem de dentro e fica dentro. Nunca te desenvencilharás do negrume e da sofreguidão de que padeces.

Os nossos fantasmas, melancolias e desalentos, habitarão de forma imortal, para lá dos nossos corpos esgotados e tomarão, infinitamente, a forma do mais rude, sofrido e penoso grito.

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