16 agosto 2012

Sr. Grilo ou A embriaguez do silêncio

Quando o silêncio não chega, ainda que absoluto, o que fazer aos pedaços quebrados que se vão empoleirando e preenchendo o chão em volta?

Há discórdia, estranheza, confusão e revolta contra o silêncio. O nada é uma ideia, só uma ideia de onde se parte para outras, mais grandiosas, respeitáveis, fáceis de aceitar. O vazio não se entende, existe desabitado daquilo que se conhece, que se sabe certo, ordinário e sóbrio.

Quem está bem dentro da solidão está embriagado de ruídos mortíferos, de granadas, de coisas pequenas que se tornam imensas, de coisas imensas que, gradualmente e de forma dolorosa, se tornam pequenas. Entontece a alma ver a solidão de dentro, entornam-se lá para dentro anos e anos de vida, relógios parados, paredes que gritam, pessoas que não falam por estarem mortas, bandejas de refeições que não sabem a coisa nenhuma, animais enraivecidos de dentes arreganhados.

Há dias em que tudo diz:

“A vida a ficar pequenina, não é Sr. Grilo?”

e aquilo de repente faz sentido. Vamos tomar a bica e em vez da conta

“A vida a ficar pequenina, não é Sr. Grilo?”

estamos no supermercado e a menina da caixa, em vez de pedir os cupões de desconto

“A vida a ficar pequenina, não é Sr. Grilo?”

arrumamos o carro e o arrumador, em vez de pedir uns trocos nos sussurra, bafiento de alcool, drogas, e falta de sexo

“A vida a ficar pequenina, não é Sr.Grilo?”

Chega-se a casa e o espaço parece gritantemente claustrofóbico, tudo nos falta e tudo nos sufoca, os sofás estão no canto errado da sala, a cómoda incomoda porque estamos sempre a bater com o dedo mindinho na esquina, apesar de a sabermos no mesmo sitio desde há anos, os talheres são em demasia para uma casa onde se come sempre sozinho. Descobrem-se palavras no meio dos atoalhados, encontram-se gestos na água fervente do chuveiro, escutam-se choros debaixo da tinta da parede, já gasta. Olha-se para a janela, julga-se ver um vulto que esbraceja furiosamente do outro lado, no prédio em frente. Não se acredita, precisará de ajuda? Esfregam-se os olhos com força, fechamo-los ligeiramente em tom de miopia. Lá está o vizinho de quem não se conhece o nome e que grita, suplicante

“A vida a ficar pequenina, não é Sr. Grilo?”

Na borda do passeio vai, saltitante e feliz, o Pinóquio, que ainda acredita, coitadinho, que a fada madrinha o vai transformar num menino… de verdade.

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