21 setembro 2012

Não vás. Não vás já.

A abrir caminho por entre as velas espalhadas na nave central que desenhavam mórbida mas estranhamente pacificas o trajecto até ti. O último.

Aquilo não fazia sentido nenhum, continua a não fazer, mas na altura menos ainda. Agarrada ao teu caixão, meu amor, queria dizer-te para não ires, para virares costas ao que quer que fosse que tinhas à tua frente e voltasses para trás, para mim. Tantos anos e nem uma discussão acesa, nem um arrufo mais violento, nem uma única vez vontade de te dizer

- Vai-te embora!

Onde é que já se viu agora deixares-me para aqui sozinha, a cuidar do nosso gato, a cozinhar no nosso fogão e a comer com os nossos talheres.

É uma dor infinita esta a de já não te ter comigo. A de já não escutar a tua voz, a de, dia após dias, me ir esquecendo lentamente da tua pele na minha, das tuas mãos a afagarem o meu cabelo, do teu sorriso pregado ao meu. Dói-me Diogo, que queres que faça?

Entre aquelas velinhas todas lá estavas tu, deitado muito direito, vestido com um fato que te não conhecia, como de resto nunca te conheci fato nenhum, detestavas as camisas cheias de botões que davam trabalho, as gravatas que te esganavam, os botões de punho pavorosos que tinhas de herança e nunca usaste. Diogo, estavas ali à distancia de um sussurro meu e eu sem poder sussurrar para dentro de ti porque já não me ouvias

- Não vás. Não vás já, meu amor, que o nosso amor ainda não acabou.

A preferir que voltasses e nos desentendêssemos, que acabássemos o nosso amor, que o matássemos com o tempo e com a erosão da memória. A querer que voltasses para que me pudesse zangar contigo e depois, quando realmente partisses, eu não sofresse desta maneira. Com tanta força querer doar as minhas recordações, de que é que me valem agora as lembranças de ti?

Eu não sei de nada, Diogo. Só sei que não tarda é noite escura, noite fria e húmida e me vai custar horrores não ter o teu corpo para me enroscar, a tua cova perfeita entre o ombro e o pescoço para aninhar o meu rosto. Não tarda é dia e a casa já não vai ter o ruído dos teus passos, nem o ralo do lavatório os teus pelos da barba, nem nada. Não tarda é noite, e depois dia, e depois noite novamente e eu vou ter que me habituar a viver sem a tua presença. E, Diogo, bem sabes que eu não quero habituar-me à tua ausência. A minha voz que já não escutas

- Não vás. Não vás já, meu amor, que o nosso amor ainda não acabou.

E não acabou. Não acabou. Não acabou. E que faço, pergunto a quem de direito, que tu já não me respondes, com o nosso amor que não acabou?

Como é que eu vou agora, diz-me! rogo-te!, explicar ao meu coração que aquilo que ele sente por ti tem de acabar sem no entanto, nem de perto nem de longe, ter sequer chegado a aproximar-se de acabar?  Como é que eu vou caminhar repetidamente em sonhos, por entre as velinhas da nave central, para te encontrar ali, irremediavelmente morto, irremediavelmente triste, e ficar a olhar-te ali, irremediavelmente morta, irremediavelmente triste?

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