O que falta ao mundo é o silêncio.
O silêncio porque sim, o silêncio do que deve ser deixado por dizer, o silêncio para sarar feridas, o silêncio do próprio silêncio.
Uma nave ausente de ruído é uma coisa maravilhosa de se ver, quando não há padre, não há coro, não há beatas nem beatos, não se escuta o barulho fininho dos pés impacientes ou das mãos nervosas. Quando não se exigem cânticos ou comunhões.
O presbitério pode parecer num repente o sitio certo para largar as lágrimas, olhar no alto a figura de pedra que chora sangue e tem nas mãos cravejados pregos profundos e aquilo não importa para nada. Aquilo não tem mesmo importância nenhuma, não vale nada, nem a talha dourada.
Séculos de culpa e de dor para de repente acabar assim. Cruzadas e mortos, vozes dementes que caem mansas em ouvidos pouco habituados a escutarem a palavra “salvação” e por isso está tudo bem, tudo correto, tudo no sitio onde deve estar.
Há um deus que ninguém viu, um homem que dizem ter sido Santo, nascido por obra e graça de um espírito com traquejo para subir ás saias das senhoras, e depois existem todos os outros santos menores, que figuram bem na fotografia e são deprimentes retratados com a angustia própria dos que sofrem em demasia e mais, porque quem os fez sofrer dessa dor agigantada fomos todos nós, os que vivem, os que já se foram e os que, coitados, ainda estão por vir.
Os sinos vão soando e a vida é um fardo leve de carregar, há quem se responsabilize pela existência da gente, e a gente come e dança e fode e pode tudo isto, porque deus assim o quis, foi por vontade dele e não ao contrário.
- Eu cá tenho fé em Deus, não na igreja!
Solta alguém a caminho da missa. Os sinos badalam com fúria a chamar os fiéis e fica-se confuso. Confuso com isto e com aquilo.
A fé é uma substância perigosa que amaina quem da vida quer só aquilo que não seja escolhido por ele.
Uma nave em silêncio é uma coisa maravilhosa de se ver, ausenta-se de Deus e fica só a igreja, silencioso tumulo dos que ali produziram arte e acredito, se tenham permitido à lágrima caída no presbitério.
O essencial continua invisível, porque o acessório se mascarou de divino e faz pagar com sangue quem, entre o tumulto, se insurge e quer gritar:
- Eu cá tenho fé nas pessoas, não em Deus!
Quatro pais nossos e cinco avés maria. Nem na contrição se permite o silêncio.