24 maio 2012

"Xanax azul-violeta" de Pedro Paixão

  "Deixei-me encurralar aqui. Não posso regressar a nenhum lado, a tempo algum. Nadja desapareceu de um dia para o outro. Todas acabam por desaparecer. Mais vale assim. Uma mulher a fugir é mais bela do que uma mulher parada. Nem a morte quis vir ter comigo, quanto mais o amor.
  Tento acalmar-me. Derreto um Xanax azul-violeta debaixo da língua. É verdade que estou em guerra. Estou em guerra porque estamos em guerra, não por vontade própria. Agora não tenho vontade própria, estou demasiado cansado. Já fiz o que tinha a fazer. Já perdi o suficiente e não consegui. Sei que tu não tens culpa Maria, Joana e Lia. Eu sei de quem é a culpa. Sou eu quem deve carregar comigo. E tu fizeste bem em desaparecer, Tatiana. Quem te agarra o corpo tem mais sorte do que eu. Eu sou pior. Quero logo a alma junto com o corpo. É um tremendo negócio. Meu amor, minha querida. De quem falo? De ti, claro, Maria, Lia e Joana.
  Maria, de pele macia, porque me mentias ao dizer que me amavas? Não bastava o resto, a vida inteira. Querias-me só para ti e depois não sabias o que fazer comigo. Na última noite beijaste-me como se fosse a primeira e no dia seguinte abandonaste-me na rua. Como pudeste? Ainda hoje não acredito. Por ti enlouqueci várias vezes para poder voltar a ficar lúcido.
  Joana dos cabelos encaracolados, muito pretos, a dançar à frente dos meus dedos. Joana fugidia, áspera, violenta. Nunca soube dizer quem eras e tu não tinhas paciência para a minha demora. Voltavas para as tuas amigas sem desculpas. Deixavas-me com um rasto do teu corpo, do toque dos teus cabelos, e escapavas. Quando me entreguei por completo já não me querias. Era tarde para tudo, dizias. Lia dos olhos suaves, enganadores. Mulheres como tu deviam trazer um aviso de morte. Nem o teu namorado gostava de mim, quanto mais tu. Deitada ao lado dele pensavas em mim. Mas não estavas disposta a arriscar tudo de uma só vez. Por isso deixaste que o amor viesse e não durasse, suave rapariga.
  Maria diz que Lia não é Joana. Mas engana-se. Joana é Lia por não ser Maria. E Maria sempre foi Lia e Joana.
  Levanto-me da cama e vou até ao quarto de banho. Fico a olhar-me no espelho a ouvir o barulho da água. Tenho de aguentar. Vou aguentar. Não é a primeira vez, não será a última. Uma história não tem fim, se no fim acaba a história.
  Toca o telefone. É Rony. Diz-me que vá passar uns dias de férias ao Sul, onde abundam as mulheres desconsoladas. Ou então ao Norte, nas cidades fortificadas. Arranja tudo por bom preço, pacote especial e coisas dessas. Rony, estou cansado. Não quero ir para nenhum lado. Vou ficar aqui até chegar o dia. E depois parto. Vim para acabar com a poesia e a poesia está a dar cabo de mim."

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