20 novembro 2012

Cedência de passagem

Eu não sei. Eu sei lá. Não tenho a certeza daquilo que sei, ultimamente está tudo tão confuso. Confuso de uma confusão ruidosa, daquela que irrita, daquela que depois de me aperceber que é confusa consegue por cima disso tudo ficar ainda mais complexa, cheia de raízes quadradas e cruzamentos mal sinalizados. Impera a regra geral da cedência de passagem, que é como quem diz tudo ao molho e fé em… fé em quem?!

- Com licença minha senhora, que eu estou carregado de sacos…

- Não lhe dou licença porque eu só tenho um saco, mas o meu é muito mais pesado que o seu!

- Mas eu tenho alguma idade e já me custa a caminhar…

- E eu posso ter menos idade mas ainda ontem caí e tenho o joelho todo espapaçado…

Amanhe-se quem puder, como puder e se puder. Se não puder temos pena, daquela pena grande mas tão pequenina ao mesmo tempo, aquela que é mesquinha e feia e pedante e dá vómitos e que deixa tudo em volta a cheirar a vómito e lágrimas e suco gástrico. Que confusão, eu sei lá. E alguém sabe? Se ninguém sabe então é que está tudo perdido, mas… e se alguém sabe? Porque é que sabe? Pactos com o diabo, sacrifícios de gatos em noites de lua cheia, conspirações com o governo, kryptonite…?

- olhe lá, mas porque é que se quer levantar para me oferecer o seu lugar no autocarro?

- Porque eu posso muito bem fazer a viagem em pé…

- Está a chamar-me velho?

- Claro que não, ora essa…

- Então? Há alguma pastilha elástica colada no assento? Ou pisou merda e agora esse lugar está infestado com o cheiro?

Tudo é suspeito. Absolutamente tudo. Não adianta negar que uma pessoa sai de casa e pensa logo em fugir escadas a cima novamente, só para não sentir o cheiro, só para não escutar as vozes, só para não ser obrigado a olhar de frente aquelas caras todas já difusas entre elas, todas já meias a desaparecer, todas elas já sem lábios mas cheias de dentes, já sem pálpebras mas cheias de lágrimas, já sem voz mas cheias de ideias pedantes a escorrer cérebro fora. Um passo em falso e já só aquilo que faz sentido é que não exista sentido algum, porque é impossível que se descubra um sentido no meio de lama e areias movediças e vísceras para fora.

Eu não. Eu sei lá. Não ter motivos para ficar parece um bom motivo para partir. E fico assim, ainda crente, a pensar se existirão motivos, e quais serão eles, que me façam ainda, só por enquanto, querer ficar.  

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